Cultivar a alegria é, antes de tudo, compreender que os entusiasmos mais estáveis têm origem no ser. É descobrir o poder liberador que surge quando se passa do culto dos bens ao culto dos laços: o laço consigo mesmo e o laço com os outros.
Para viver a alegria no cotidiano, devemos deixar de repouso o terreno do consumismo consolador, a fim de fazer crescer a nossa interioridade essencial. Na nossa época, em que o materialismo excessivo ameaça a integridade da nossa espécie e fracassou em sua tentativa de tornar o homem feliz, cultivar sua alegria de viver se torna uma questão prioritária. E é, primeiramente, em si mesmo que cada um pode plantar as sementes de sua alegria.
Mas é uma arte, um trabalho a ser realizado. Trata-se de aprender a jubilar por aquilo que você é, e não por aquilo que você possui.
Imagine o seu dia ideal, aquele que lhe traria alegrias: programas, criações, ações, relações, distrações e etc. Observe se essa alegria depende, sobretudo do que você será, fará e/ou sentirá ou do que você consumirá ou possuirá. Por exemplo, se no seu dia ideal você quisesse encontrar pessoas afáveis, quem sabe você não decide ir a um local público e sorrir para duas ou três pessoas desconhecidas? Existe a chance de uma delas retribuir o seu sorriso.
Dentre as diferentes formas que a alegria de viver pode ser associada, podemos destacar: brilho, regozijo, vitalidade, intensidade, dinamismo, entusiasmo, alegria, jovialidade, júbilo, êxtase, deleite, relaxamento, respiração, prazer, encanto, despreocupação, felicidade, exultação, enlevo, contentamento, serenidade, energia, sentido, força vital e compromisso.
Para ser estável e forte, é essencial aprender a cultivar dentro de si emoções positivas, seja qual for o contexto da nossa vida. Não há necessidade de esperar que haja razões específicas para que isso aconteça. Eis alguns aspectos que auxiliam isso: (a) cuidar bem de si mesmo; (b) ousar ser você mesmo, original e único; (c) saborear, maravilhar-se; (d) disciplinar a sua mente; (e) receber e se deixar amar; (f) dar e amar; (e) cultivar menos bens e mais laços afetivos consigo mesmo e com os outros.
Segundo algumas tradições filosófico-espirituais cuidar bem de si mesmo ou do nosso eu significa cuidar do corpo físico, do corpo mental, do corpo emocional e do corpo espiritual.
Para estar em forma, o nosso corpo físico precisa de pausas, cuidados e alegrias. Reserve um tempo para: (a) relaxá-lo; (b) proporcionar-lhe um sono de boa qualidade; (c) cuidados com a saúde; (d) movimentá-lo; (e) fornecer-lhe uma alimentação sadia; (f) escutá-lo; (g) dar-lhe prazer.
O corpo mental é constituído pelos nossos pensamentos. A mente é concebida para pensar. Isso não causa nenhum problema em si. Os problemas surgem ou não, dependendo da forma como interpretamos ou não os nossos pensamentos, como se fossem a realidade e lhes damos ou não importância. A nossa vida resulta, portanto, da maneira como lidamos com os nossos pensamentos e convicções (uma convicção é um pensamento ao qual damos importância há muito tempo). Nossos pensamentos e convicções criam a nossa realidade, realidade essa que, por sua vez, vem fortalecer as nossas convicções.
Por exemplo, se eu pensar: “Eu sou um zero à esquerda e nunca vou conseguir o trabalho dos meus sonhos” eu irei assim às entrevistas de emprego mostrando-me instável e sem confiança. Dá para perceber isso, o que diminui as minhas chances de ser contratado para o tal emprego, isso confirmará a minha idéia de que eu sou um zero à esquerda, e se instaura um círculo vicioso.
O corpo emocional é constituído pelas nossas emoções que são a cor que a vida adquire em nós, de instante em instante. Sejam elas agradáveis ou desagradáveis, é essencial tomar consciência delas e acolhê-las porque:
- Se uma emoção for agradável, permitir-se senti-la plenamente aumenta a sua energia vital e alegria de viver.
- Se uma emoção for desagradável, aceitar e senti-la, sem tentar afastar nem se agarrar a ela, permitindo com isso que as emoções vão e venham. Quando se permite vivenciar uma emoção “negativa” integralmente você consegue processá-la e seguir adiante. Se não der a si mesmo permissão para vivenciar a emoção e afastá-la, ela se torna uma “maré” de emoções que parece muito fora de controle.
- Quando recusamos a sentir o que está vivo dentro de si, impedimos a vida de circular.
- Se aceitarmos sentir o que estamos sentindo, deixamos a vida circular dentro de nós, o que fortalece a nossa capacidade de sentir e, portanto, de viver.
As nossas emoções não são nem boas nem ruins. As nossas dificuldades não provém das nossas emoções, mas sim dos pensamentos que associamos às nossas experiências. Por exemplo, se eu não arrumar um emprego, apesar de isso ser vital para mim, posso me sentir preocupado. No entanto, surgirá um problema se eu pensar: “Eu nunca vou conseguir chegar a lugar algum”; “Eu não sou bom em nada”. Pensamentos como esses provocam em mim outras emoções desagradáveis, que reduzem minha energia e alegria de viver, impedindo-me de dar a volta por cima e superar a dificuldade em questão.
O corpo espiritual é uma presença que existe por trás das nossas emoções e pensamentos. Ele pode se destacar quando a mente está calma e as emoções são aceitas e/ou transformadas. Em cada um de nós mora um observador silencioso que pode ser testemunha da nossa vivência. Graças a esse observador, podemos identificar e canalizar as nossas emoções, jogando luz sobre as convicções inconscientes que nos governam. Quando trocamos o fazer pelo ser, e reservamos um tempo para prestar atenção em nós mesmos e no instante presente, isso abre o espaço de que nosso corpo espiritual precisa para se ampliar.
É na nossa capacidade de ficarmos presentes a nós mesmos que se encontram os germes da nossa felicidade. Essa presença nos torna conscientes, e a nossa alegria depende do nível de consciência que temos.
Eis algumas dicas para aumentar sua alegria de viver:
- Ousar ser original e plenamente você mesmo: viva de acordo com o seu plano pessoal e único. Junte a sua coragem e confiança a fim de concretizar, sem mais meias voltas, aquilo que você aspira. O mundo precisa da sua alegria, e você só a encontrará realizando quem você realmente é.
- Ousar ter sonhos: quando sonhamos com alguma coisa, somos animados por um fogo interior e conectados à energia da vida – isso torna as pessoas mais atraentes.
- Saborear, sentir gratidão, maravilhar-se: dos pequenos prazeres às grandes aspirações, o que torna profundamente alegre é a arte de saborear, adorar e lembrar do que existe de belo e bom na sua vida. Se, em qualquer situação, você quiser reforçar a sua gratidão pelo que a vida lhe esteja oferecendo e/ou desejar expressá-la para alguém, é muito comovente, tanto para você quanto para a pessoa a quem esteja se dirigindo. Por exemplo: “Quando você me escutou enquanto eu desabafava sobre a tristeza que estava sentindo por causa da minha separação, você satisfez a minha necessidade de um ombro amigo e de contar com alguém. Quando eu me lembro disso, fico emocionado e cheio de gratidão pela sua amizade.”
Nossa alegria depende da nossa capacidade de deixar os momentos alegres viverem dentro de nós. Quanto mais sentirmos profundamente esses momentos, mais o nosso cérebro se torna hábil a identificá-los e cultivá-los. O bem-estar aumenta quando reconhecemos e cultivamos os nossos sentimentos positivos. A alegria é a soma do bem-estar e do ato de consciência desse bem-estar. - Tornar-se consciente dos seus pensamentos: tornar-se um observador dos seus pensamentos ajuda a tomar distância face às dificuldades da vida cotidiana. É essencial não se deixar teleguiar por seus pensamentos. Dependendo da forma como lidamos com a nossa mente criamos o nosso inferno ou paraíso. Na maior parte do tempo, quando surge um pensamento, sem nos darmos conta, surfamos na sua onda e nos vemos levados por uma correnteza de idéias, na maior parte das vezes negativas e improdutivas. É um imenso progresso conseguir se tornar consciente de seus automatismos mentais.
- Transformar idéias sombrias em poder de ação: a forma pela qual pensamos sobre nossa vida pode limitar ou ampliar o nosso controle. A ideia que não podemos fazer nada tolhe os movimentos e nos impede de agir. O otimista possui uma atitude pro ativa diante das dificuldades enfrentando-as. Os pessimistas paralisam diante das dificuldades e acabam desistindo.
- Aceitar e se desapegar face ao que não se pode transformar: os seres humanos aspiram à alegria e serenidade. Cada qual quer evitar o sofrimento . Pois bem, poucos entendem que, para reduzir o sofrimento, mais vale aceitá-lo e senti-lo. Ir ao fundo do poço é doloroso, mas é lá embaixo, no solo, que se pega impulso para voltar à superfície.
- Aperfeiçoar a arte de “criar gavetas”: aprender a viver uma coisa de cada vez, tendo confiança de que o que foi adiado não será prejudicado por causa disso, necessita de um treinamento certeiro. “Quando estou andando, estou andando; quando estou comendo, estou comendo; quando estou trabalhando, estou trabalhando; e, quando estou com a minha família, estou inteiramente presente!”.
Para avaliar o seu grau de presença nas suas inter-relações, você pode se fazer as seguintes perguntas: (a) Eu consigo me liberar das minhas preocupações profissionais quando estou com a minha família? (b) Eu consigo concentrar no meu trabalho quando estou com problemas em outras esferas? (c) Entre que âmbitos da minha vida eu consigo ou não instaurar fronteiras? (d) Entre que âmbitos eu acho mais importante instaurá-las? - Amar e oferecer: o amor é um estado interior que depende mais daquele que o distribui do que o objeto de amor. Quando o amor está estabelecido com força dentro de nós, ele se traduz de forma evidente e bem espontânea por meio de atos. Exemplos: a entrega livre e sem esperança de algo em troca (entrega de si, do seu tempo, das suas posses), a preservação das coisas vivas, a aspiração a celebrar as belezas da vida, o trabalho de fazer a sua consciência evoluir e etc.
“Quem pratica a arte de cultivar a sua alegria de viver pode ficar sereno sem calmantes, satisfeito sem posses, radiante sem drogas e embriagado sem beber em outra fonte, a não ser a sua própria.”
Fonte: Para Cultivar a Alegria de Viver no Cotidiano – Anne Van Stappen